Depois dos episódios da tentação e da transfiguração nos dois primeiros domingos da Quaresma, a liturgia nos propõe o tema da conversão. Neste ano litúrgico – ano de Lucas – o evangelista, por meio do seu Evangelho, realça especificamente a graça. Lucas é o evangelho da graça, dos pobres e dos pecadores.
Para receber a graça, que nos renova, devemos estar conscientes de ser pecadores. Porém, ao mesmo tempo em que nos conscientizamos de nosso pecado, devemos ter diante dos olhos a perspectiva da graça e do perdão de Deus, nosso Pai.
A primeira leitura nos coloca em espírito de “temor do Senhor”. Assistimos à grandiosa revelação de Deus a Moisés, na sarça ardente. Deus está em fogo inacessível. Deus devora quem d’Ele se aproxima. “Tira tuas sandálias: o chão em que estás é santo!” (Ex 3,5). Deus está em ardor, porque viu a miséria de seu povo e ouviu seu clamor. Moisés será seu enviado para revelar a Israel sua libertação e ao faraó a cólera do Senhor. E em nome de quem deverá falar? No nome de “Eu estou aí” (“pode contar comigo!”).
Deus está aí, com Seu poder e Sua fidelidade, mas também com Sua justiça: na segunda leitura, Paulo nos ensina a “lição da história” de Israel. Eles tinham a promessa, os privilégios, a proteção de Deus. Todos os israelitas experimentaram, no deserto, a mão de Deus, que os conduzia. Todos foram saciados com o alimento celestial e aliviaram-se na água do rochedo (que significa o Messias). Contudo, a maioria deles, por causa da sua dureza de coração, foi rejeitada por Deus (Cf. Nm 17,14). Com vista ao fim dos tempos a ao Juízo, o apóstolo dos gentios avisa a cada um de nós para que aprendamos a lição (cf. 1Cor 1-6).
Lucas, neste Evangelho, é, se possível, mais explícito ainda. Dentro da concepção mágica de que as catástrofes são castigos de Deus, os judeus perguntavam a Jesus que mal fizeram os galileus cujo sangue Pilatos misturou com o de suas vítimas, quando foram apresentar sua oferta no templo de Jerusalém; ou as dezoito pessoas que morreram porque caiu sobre elas a torre de Siloé. Jesus responde: “A questão não é saber que mal fizeram eles; a questão é que vocês mesmos não se devem considerar isentos de castigo, por serem bons judeus; digo-lhes: se vocês não se converterem, conhecerão a mesma sorte!”
As catástrofes não são castigos, mas lembretes! E não adianta pertencer ao grupo dos “eleitos” – os judeus no deserto, os fariseus no tempo de Jesus, ou os “bons cristãos” hoje. O negócio é converter-se! Pois cada um descobre algo a endireitar quando se coloca diante da face de Deus. Ou melhor, em tudo que fazemos e somos, mesmo em nossas ações e atitudes mais dignas de louvor, descobrimos os traços de nosso egoísmo e falta de amor, quando nos expomos à luz da “sarça ardente”. Só Deus é santo. Por isso, todos nós devemos converter-nos, sempre.
Se, até agora, a liturgia nos inspirou o temor do Senhor, o último trecho do Evangelho nos traz a mensagem, tão característica de Lucas, da misericórdia de Deus, que se mostra em forma de paciência. A árvore infrutífera pode ficar mais um ano, pois talvez ela se converta ainda! Mas, algum ano será o último…!
Padre Pacheco
Comunidade Canção Nova