A transfiguração de Jesus se encontra também em Mateus (17,1-8) e Lucas (9,28-36), mas cada evangelista trabalhou a seu modo a narrativa dentro dos objetivos específicos de cada um. Marcos a inseriu no início da segunda parte do seu evangelho. A partir de 8,31 temos como que um novo início e, daqui para frente, Jesus vai dedicar a maior parte do seu tempo ensinando aos discípulos o sentido profundo de seu messianismo. Responde-se, assim, à pergunta fundamental de Marcos: Quem é Jesus? E nesta se responde à uma outra pergunta, não menos importante que a primeira: Quem é o discípulo de Jesus? Todavia, o retrato dos discípulos, aqui, é lamentável.
Na primeira parte do Evangelho de Marcos, Jesus é incompreendido pelos “de fora”, acusado de blasfemar, de ser um possesso, louco e impuro. E os discípulos, o que pensam dele? Pedro, representando todos os que pretendem se unir ao Mestre, afirma que Jesus é o Messias. Mas Jesus proíbe severamente aos discípulos de falar alguma coisa a respeito dele. Marcos insere aqui o primeiro anúncio da paixão. E Pedro, representando mais uma vez os discípulos, se torna “Satanás”, porque pretende que o messianismo de Jesus se baseie nos moldes tradicionais.
E agora: a proposta messiânica de Jesus vai vencer? A transfiguração responde afirmativamente. Jesus vai vencer. Contudo, vale a pena recordar que a transfiguração olha mais para nós do que para Jesus. Em outras palavras, nós precisamos dela mais do que ele. Ela nos garante que em Jesus o projeto de Deus será vitorioso porque é garantido pelo Pai, que o declara seu Filho amado, pedindo que todos escutem o que ele diz. A transfiguração é, portanto, o sinal da vitória de Jesus e de seu projeto.
Jesus sobe a uma alta montanha com Pedro, Tiago e João, três dos quatro primeiros escolhidos. A cena recorda Ex 24, onde Moisés é convidado a subir à montanha de Deus em companhia de Aarão, Nadab, Abiú e setenta anciãos. Somente Moisés se aproximou de Deus e, ao descer do monte, contou ao povo tudo o que Deus lhe havia dito. A resposta do povo é uma só: “Faremos tudo o que Deus disse” (cf. Ex 24,1-3).
Marcos afirma que “as roupas de Jesus ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar”. Essa transformação aponta para a realidade da ressurreição de Jesus. Ninguém, nem mesmo a morte, poderá deter o projeto do Reino, pois o Mestre vai ressuscitar depois de três dias.
Moisés e Elias presentes e conversam com Jesus representam respectivamente a Lei e os Profetas, isto é, todo o Antigo Testamento. Moisés é o líder da libertação do Egito. O comparecimento deles vem dar testemunho de Jesus. Ele é o libertador definitivo, prometido e prefigurado nos líderes do passado. Elias é o restaurador do javismo no Reino do Norte no tempo do rei Acab, o profeta que libertou o povo da idolatria que gera opressão. O Antigo Testamento testemunha que Jesus veio para libertar mediante a entrega total de sua vida.
Nuvem, esplendor, personagens e, sobretudo, a voz que sai da nuvem são modos de indicar a presença de Deus no acontecimento. O próprio Pai garante que Jesus é seu Filho amado, ao qual é preciso dar adesão. Nesse versículo temos um dos pontos altos do Evangelho de Marcos. Desde o início afirma-se que Jesus é Filho de Deus (1,1) e, ao ser batizado, o Pai diz: “Tu és o meu Filho amado; em ti encontro o meu agrado” (1,11). O termo “filho” recorda o Salmo 2,7, onde um rei é declarado filho de Deus. Jesus é esse Rei, mas seu messianismo passa pela entrega da vida.
Pedro representa nós todos quando pretendemos viver a alegria da ressurreição sem passar pela entrega e pela morte. O julgamento que Marcos faz de Pedro e de todos os seguidores de Jesus é muito severo: “Ele não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo”. No fim de tudo, os discípulos se perguntam o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”. O tema da ignorância dos discípulos é muito forte no Evangelho de Marcos. É impossível saber quem é Jesus sem ir com Ele até a cruz, sem passar pela morte, sem voltar à Galiléia para anunciar aí, por meio de uma prática libertadora, que o Mestre está vivo. Pedro – e todos nós com ele – sofremos de ignorância crônica em relação a quem é Jesus. Por isso é que “escutar o que ele diz” significa ir com ele até o fim. E não nos assustemos. É preciso que com Marcos confessemos. Jesus é o Filho de Deus e o sigamos. E assim como os discípulos viram Moisés e Elias falando com Jesus também nós o veremos cheio de esplendor e glória. Ele é a única autoridade credenciada pelo Pai. Ele está conosco para sempre.