Para os fariseus, era absolutamente escandaloso manter contato com um pecador notório como Levi. Na época, um cobrador de impostos não podia fazer parte da comunidade farisaica; não podia ser juiz nem prestar testemunho em tribunal, sendo, para efeitos judiciais, equiparado a um escravo; estava também privado de certos direitos cívicos, políticos e religiosos. Jesus demonstra, àqueles que O criticam, que a lógica dos fariseus (criadora de exclusão e de marginalidade) está em oposição à lógica de Deus.
Os relatos evangélicos põem, com frequência, Jesus em contato com gente reprovável, com aqueles apontados pela sociedade como os cobradores de impostos e também com as mulheres de má vida. É impossível que os discípulos tenham inventado isso, porque ninguém da comunidade cristã primitiva estaria interessado em atribuir a Jesus um comportamento “politicamente incorreto”, se isso não correspondesse à realidade histórica. Não há dúvida de que Jesus se dava com gente de fama duvidosa, com pessoas a quem os “justos” preferiam evitar, com pessoas que eram anatematizadas e marginalizadas por causa do comportamento escandaloso, atentatório da moral pública.
Certamente não foram os discípulos a inventar para Jesus o injurioso apelativo de “comilão e beberrão, amigo de publicanos e de pecadores” (cf. Mt 11,19; 15,1-2).
Tendo já chamado os quatro primeiros discípulos, o Senhor agora encontra o coletor de impostos Levi. Por sua função, ele também era um desses marginalizados pela sociedade religiosa judaica. Jesus não se volta para os marginalizados apenas a fim de aliviá-los de seus sofrimentos e lhes restituir a dignidade, Ele os inclui também na colaboração de Seu ministério, chamando alguns dentre eles como Seus discípulos mais próximos. Sentando-se à mesa com os amigos de Levi, também marginalizados, Cristo afirma Seu propósito de solidarizar-se com os excluídos e os pobres, causando escândalo entre os chefes religiosos do Judaísmo.
Na perspectiva deste texto, Jesus é o amor de Deus que se faz pessoa e vem ao encontro dos homens – de todos os homens – para os libertar da sua miséria e para lhes apresentar essa realidade de vida nova que é o projeto do Reino. A solicitude de Jesus para com os pecadores mostra-lhes que Deus não os rejeita, mas os ama e os convida a fazer parte da Sua família e a integrar a comunidade do Reino. É que o projeto de salvação de Deus não é um “condomínio fechado”, com seguranças fardados para evitar a entrada de indesejáveis; mas é uma proposta universal, na qual todos os homens e mulheres têm lugar, porque todos – maus e bons – são filhos queridos e amados por Deus Pai. A lógica de Deus é sempre dominada pelo amor.
O que está em causa na leitura que nos é proposta é a apresentação do imenso amor de Deus. Ele ama de forma desmesurada cada mulher e cada homem. É esta a primeira coisa que nos deve “tocar” nesta celebração. Deus é misericórdia. Interiorizamos suficientemente esta certeza e a deixamos marcar e condicinar a nossa vida e opções?
O amor de Deus dirige-se, de forma especial, aos pequenos, aos marginalizados e necessitados de salvação. Os pobres e débeis que encontramos nas ruas das nossas cidades ou à porta das igrejas encontram nos “profetas do amor” a solicitude maternal e paternal de Deus? Apesar do imenso trabalho, do cansaço, do estresse, dos problemas que nos incomodam, somos capazes de “perder” tempo com os pequenos, de ter disponibilidade para acolher e escutar, de “gastar” um sorriso com esses excluídos, oprimidos, sofredores, que encontramos todos os dias e para os quais temos a responsabilidade de tornar real o amor de Deus?
Tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo significa lutar objetivamente contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento. Inquieto-me, realmente, diante de tudo aquilo que torna feio o mundo? Compactuo, com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade com os sistemas que geram injustiça ou esforço-me ativamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus?
As nossas comunidades são espaços de acolhimento e de hospitalidade? São oásis do amor de Deus não só para parentes e amigos como também para os pobres, marginalizados e sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e de esperança?
Padre Bantu Mendonça